segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

A PERIGOSA APOSTA DE SÉRGIO MORO



Por
Éden Valadares e Felipe Freitas

O pacote de alterações legislativas apresentado pelo Senhor Sérgio Moro merece atenção especial da esquerda, da classe política e de todos os que se preocupam com a democracia no Brasil. E isso sem levar em consideração quem é o proponente e como suas decisões na qualidade de magistrado impactaram a política e a democracia no último período, inclusive criando as condições para eleger o governo que o fez ministro. Suas propostas trazem preocupação porque tocam em um tema da maior importância na sociedade brasileira e cujas consequências podem representar risco a vida de uma larga parcela da população.

De saída, somos a favor de que as esquerdas e os democratas progressistas do Brasil façam uma oposição propositiva e a favor do país. Não é porque uma proposta vem do governo que devemos recusá-la de saída. É nosso dever respeitar as decisões dos eleitores brasileiros, e analisar as propostas do governo com seriedade, usando boas referências em políticas públicas.

Ainda assim, não conseguimos enxergar no pacote as respostas corretas para o problema da insegurança pública brasileira, traduzido nas dezenas de milhares de homicídios registrados ano a ano. Salta aos olhos o silêncio do pacote sobre a questão das armas no Brasil, que não prevê política pública ou medida proativa para diminuir o número de armas em posse de civis (ao contrário, percebe-se o governo se esforçando para aumentar a venda de armas). Não se fala do combate ao tráfico de armas, vigilância de fronteiras, nada daquilo que consta dos diagnósticos mais elementares da segurança pública.

O mesmo pode ser dito sobre a política sobre homicídios. A intenção de aumentar as condenações por homicídio pode se tornar inócua. Qualquer secretário de segurança pública no Brasil sabe que o que temos é um baixo nível de elucidação dos casos de assassinato. Tal problema só se resolve com investimento em polícias técnicas e investigativas. O pacote ainda aponta na direção contrária, criando instrumentos para desresponsabilizar as mortes perpetradas por policiais. Moro aposta no atraso, em uma política de segurança pública menos sofisticada e mais letal, na contramão das boas experiências internacionais.

A crítica que fazemos ao pacote de Moro não significa ignorar que há algo a ser feito nesse setor. Inclusive, defendemos que o Partido dos Trabalhadores e a coalizão que participou dos 13 anos de nossos governos se disponha a fazer um balanço crítico do que foi feito nesse setor. No entanto, não nos recordamos de os ministros de Justiça que o antecederem terem cedido tão facilmente aos discursos fáceis e as bravatas que são próprios da Bancada da Bala e que, reconhecidamente, são pouco efetivos em lidar com um tema tão complexo.

A política de segurança pública é tema delicado e importante demais para ficar à mercê de alguns grupos de interesse. Espanta saber que o ministério da Justiça está propondo alterações na legislação criminal sem ao menos estabelecer diálogo com entidades como o Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social e o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. O viés antidemocrático do governo não se vê somente no conteúdo da proposta, mas especialmente no método de concebê-la e implementá-la.

A julgar pela estreia do ministro da Justiça na discussão de uma agenda de políticas públicas para lidar com um tema grave, os brasileiros que estão do lado da democracia precisam elevar o sinal de alerta para barrar tais medidas no legislativo, promovendo uma discussão de políticas públicas baseada em evidências, coisa ao qual já sabemos que o ministro não é muito acostumado. Por falar nisso, Moro ainda nos deve uma resposta mais consistente sobre o tratamento que deve ser dado ao envolvimento do filho do presidente com um grupo criminoso responsável por diversos assassinatos em comunidades do Rio de Janeiro. Já para a esquerda, devemos reforçar na sociedade brasileira a ideia de que só venceremos a crise se apostarmos na legalidade e na defesa da Constituição. Moro aposta no caos e na guerra.