sábado, 11 de março de 2017

SOBRE BONDES, METRÔS E TRILHOS URBANOS



Subir para o bonde, sem que este pare. Essa é uma definição comumente encontrada para o verbo pongar. Não sou historiador - e lá adiante vou recorrer a uma de renome - mas tenho a sensação que esse verbo nasceu na Bahia. Mais especificamente na Cidade da Bahia, Salvador. Consigo imaginar com perfeição aqueles homens de terno de linho branco, pulando sobre os bondes, num quase surfar pelas subidas e descidas da Praça da Sé e Rua Chile.

Em 1979 Caetano Veloso gravou Trilhos Urbanos, que retrata a cidade de Santo Amaro da Purificação, sua terranatal, com características de uma cidade ora imaginária, ora real, uma mistura de sentimentos com lembranças, de emoções com locais concretos. O irmão de Irene não chega a falar na ponga, mas faz referências ao transporte e sua movimentação pelas ruas da cidade: "Quando o bonde dava a volta ali..."

Hoje a Bahia tem novas definições para o verbo pongar. Além de pegar veículo em movimento, pongar pode significar se agarrar, ou se segurar, como também se pendurar. Há aqueles que usam o substantivo ponga como sinônimo para carona e por aí vai. O fato é que a lembrança dos bondes vem se misturando com a atual realidade e redefinindo a expressão vebal bem como a própria cidade.

Sandra Jatahy Pesavento (olha a citação à historiadora que falei anteriormente) escreveu sobre a possibilidade da leitura da cidade através do “passado de outras cidades contidas na cidade do presente”. É o que parece acontecer em Soterópolis. Temos, então, uma cidade sensível, uma cidade visível e uma cidade imaginária.

Na última quinta-feira, dia 09, todos estes temas vieram à tona de uma só vez. O velho bonde e o contemporâneo metrô; o antigo pongar e o atualíssimo usurpar; a Salvador visível e a imaginária.

Sem arrodeios: ACM Neto tentou pongar no bonde alheio, ou melhor, tentou usurpar o metrô do Governador.

Talvez ansioso ou preocupado com a perda de protagonismo político crescente - quem acompanhou o Carnaval sabe do que estou falando - o prefeito decidiu aderir ao padrão Michel Temer e tentar uma cartada, ou melhor, um golpe. "Vamos tentar pongar na obra do metrô e disputar sua paternidade!" Na cidade imaginária de Neto, os cidadãos passariam a debitar em sua conta os benefícios trazidos pela impressionante obra do metrô, bastando para tal uma visita dele aos vagões e uma bela foto ao lado dos vereadores, deputados e ministros.

Não colou. Nem vai colar.

A tal experiência entre as outras cidades do passado e a cidade do presente, sobre a qual se referia a professora Pesavento, faz com que os soteropolitanos tenham a exata noção do que foi e é a obra do metrô. Antes, enquanto tocada pela Prefeitura, era uma cicatriz no coração da capital. Calça-curta, ligava nada a lugar nenhum, além das inúmeras denúncias de corrupção.

Uma vez entregue ao Governo do Estado a obra passou a andar, conseguir financiamento, contrato de serviço exemplar, ritmo de construção invejável e, o melhor, virou realidade. Já transporta 50 mil passageiros por dia na Linha 1 e deve chegar a 100 mil com a inclusão da Linha 2 até o aeroporto.

Simples assim. Enquanto esteve com os prefeitos, pesadelo. Com o Governo do Estado, realidade. O mérito do Neto de ACM foi entregar obra. Que andou e anda graças a Lula, Wagner, Dilma e Rui Costa. Ponto.

Chamar a turma do PSDB de Imbassahy, PMDB de João Henrique e do DEM de Paulo Souto para pongar no metrô é abusar da inteligência da cidade inteira; é exigir uma criatividade que nem o poeta Caetano versando sobre Santo Amaro conseguiria alcançar.

Menos, Neto, menos...


(Artigo originalmente publicado no Portal Brasil 247, em 10/03/17)

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